Resumo:

Entenda como a psicanálise aborda o amor, os desafios dos relacionamentos e a importância de aceitar os desencontros como parte da vida.


No campo da psicanálise, poucos temas são tão universais e ao mesmo tempo tão complexos quanto o amor. Em uma conversa recente com Emília, idealizadora da plataforma SP Cast, discutimos essa abertura no campo psicanalítico que tem chamado atenção de muitos entusiastas — tanto profissionais quanto curiosos. A proposta dessa iniciativa é explorar o tema do amor sob a perspectiva analítica, buscando entender não apenas os encontros, mas também os inevitáveis desencontros.


Muitas vezes me perguntam como cheguei ao tema do amor. Parece estranho para alguns que eu tenha escolhido algo tão central, mas, para mim, pensar no amor sempre foi uma condição básica para refletir sobre qualquer outra coisa. Esse interesse se intensificou durante meu mestrado na Universidade Federal do Paraná, onde comecei a estudar o tema da interpretação em psicanálise.

No entanto, foi a partir de um livro específico — “Amor, Paixão Feminina” , de Malvine Zalcberg — que minha trajetória mudou completamente. Encontrar aquele texto me fez perceber que o amor poderia ser, sim, um objeto de pesquisa sério e relevante.

Citação: “O impacto maior veio da sensibilidade da escrita de Albergue, que articulava cinema, literatura e poesia de maneira inovadora.”

Hoje, essa junção entre psicanálise, feminino, amor e escrita permeia tudo o que produzo — seja na forma acadêmica, nas crônicas poéticas ou nas redes sociais, onde gosto de trocar ideias com leitores.


Quando pesquisamos a palavra “amor” na obra de Freud, encontramos uma multiplicidade de significados. Às vezes, ela aparece como sinônimo de libido; outras, como paixão ou até mesmo transferência. Para Freud, o problema não está na língua em si, mas na nossa dificuldade de nomear experiências tão diversas com uma única palavra.

Ele próprio reconheceu que usamos “amor” para designar coisas muito diferentes, mas que possuem algo em comum: o sentido sexual. Aqui entra um ponto crucial: a psicanálise nasce falando de sexualidade e continua falando dela até hoje. Muitos dos grandes debates dentro da teoria freudiana giram em torno da importância do tema da sexualidade — e do horror que sentimos ao lidar com ela.

Lacan, por sua vez, avança nessa discussão ao propor que “o amor é aquilo que vem recobrir a inexistência da relação sexual” . Em outras palavras, amamos porque há um abismo entre nós e o outro — e esse abismo nunca será completamente preenchido.


Uma das ideias mais provocativas da psicanálise é que o amor não é natural nem garantido. Ele não acontece como consequência de boas intenções ou de vivermos de acordo com regras sociais. Pelo contrário, o amor é um efeito cultural, moldado pelas transformações históricas e sociais.

Por exemplo, pense nas mudanças no papel das mulheres nas últimas décadas. Antigamente, o amor romântico era muitas vezes associado à dependência econômica e social das mulheres. Hoje, com maior autonomia, as relações amorosas assumem novas formas.

Mas isso não significa que o amor deixou de ser complicado. Continuamos acreditando na fantasia de completude — na ideia de que existe alguém perfeito para nos complementar. Quando essa fantasia se desfaz (e ela sempre se desfaz), enfrentamos os desencontros. Esses desencontros não são falhas ou erros; eles fazem parte da experiência humana.

Citação: “Amar implica aceitar a vulnerabilidade e a dor que vêm com a impossibilidade de controlar o outro ou a situação.”


Vivemos em uma era marcada pela lógica do consumo. Muitas vezes, tratamos relacionamentos, conteúdos e até a própria psicanálise como produtos prontos para serem consumidos. No entanto, a psicanálise resiste a essa simplificação. Ela não oferece soluções fáceis, mas convida cada indivíduo a um percurso único de descoberta.

Não é possível “consumir” psicanálise; ela angustia, desconstrói e, ao mesmo tempo, liberta. Essa é a beleza da psicanálise: ela aposta na singularidade de cada um. Não há respostas prontas, apenas perguntas que nos desafiam a olhar para dentro e para o outro de maneira mais profunda. E isso vale tanto para os relacionamentos amorosos quanto para qualquer outra forma de vínculo humano.


Se há algo que aprendi ao longo desses anos de estudo e prática, é que amar dá trabalho . Não estamos falando apenas do esforço emocional envolvido, mas também do trabalho de reconhecer nossas próprias limitações e os abismos que nos separam do outro. Para amar de verdade, precisamos suportar a falta, acolher o impossível e seguir apostando nos encontros, mesmo sabendo que eles serão sempre parciais.

Como disse Clarice Lispector em um de seus textos: “Amor é a desilusão do que se pensava que era amor.” Talvez seja essa a grande lição: aprender a conviver com as ilusões perdidas e continuar amando, não porque é fácil, mas porque é necessário.


Ana é psicanalista e autora do livro A Gente Mira no Amor e Acerta na Solidão . Sua pesquisa explora as interseções entre psicanálise, amor e escrita, sempre com um olhar atento às questões contemporâneas.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *