PSICOLOGIA CLÍNICA E PSICANÁLISE
Violência e agressividade: Diferenças a partir da linguagem e do inominável da feminilidade
Violence and aggression: Differences starting at the language and the unnameable femininity
Violencia y agresividad: Diferencias a partir del lenguaje y de lo innombrable de la femineidad
Autores:
Sérgio Laia*
Universidade Fundação Mineira de Educação e Cultura – FUMEC, Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil
Heloisa Caldas**
Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ, Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil
RESUMO
Norteado por referenciais psicanalíticos, este artigo aborda a distinção entre agressividade e violência a partir dos limites da linguagem para se nomear o feminino. São discutidos aspectos da violência em seu estágio atual, tais como sua escalada, seu deslocamento do espaço privado ao público e suas formas de manifestação nas famílias. Abordando mais especificamente a violência dirigida contra o feminino, investigam-se as condições que a propiciam, assim como perspectivas de saída dos embates que ela implica. Um novo modo de abordar o feminino é configurado como uma saída, na medida em que se possa dar um passo adiante das políticas de empoderamento da mulher, mais assentadas na igualdade sexual, e que se possa lidar mais efetivamente com as disparidades subjetivas.
Palavras-chave: agressão, violência, feminino, linguagem.
ABSTRACT
Guided by psychoanalytical references, this article discusses the distinction between aggression and violence starting at the language and its limits in naming femininity. Among the discussed aspects of current violence stand its progressive increase, its displacement from the private to the public space, and its forms of manifestation within families. In order to address more specifically the violence directed against women, an investigation is pursued on the conditions that engender it as well as the prospects of solutions to the conflicts that it entails. A new way to approach the feminine turns out to be a solution as long as a step forward can be taken in women’s empowerment policies, more settled in sexual equality, and subjective disparities can be dealt with more effectively.
Keywords: aggression, violence, feminine, language.
RESUMEN
Desde una lectura psicoanalítica, este artículo aborda la diferencia entre agresividad y violencia a partir del lenguaje y sus límites al nombrar lo femenino. Se discuten aspectos de la violencia actual como su escalada, su desplazamiento del espacio privado al público y sus formas de manifestación en las familias y en las escuelas. Abordando más específicamente la violencia dirigida contra lo femenino, se estudian las condiciones que la promueven y también las perspectivas de salida de estos enfrentamientos, a partir del propio femenino, a medida que se pueda dar un paso adelante de las políticas de empoderamiento de la mujer, más asentadas en la igualdad sexual, y poder lidiar más eficazmente con las disparidades subjetivas.
Palabras clave: agresividad, violencia, femenino, lenguaje.
1. Introdução
A violência é mais assustadora e angustiante quando surge onde menos esperamos encontrá-la. Em um mundo caracterizado pela perda dos ideais, a violência ganha espaço nas páginas dos jornais, nas telas de televisão e dos computadores. No entanto, a violência não é um fenômeno contemporâneo; ela atravessa toda a história da humanidade, desde histórias como as de Caim e Abel, Medeia, Hamlet, até os horrores das guerras. A Psicanálise, ao privilegiar a fala e a linguagem, tem se dedicado mais a abordar e tratar a agressividade, mas a clínica nos leva a situar a violência no próprio ser humano, especialmente quando lemos textos freudianos como Totem e tabu, que revelam a violência na origem da civilização.
2. Considerações preliminares
A violência é uma força que extrapola a “tendência natural das coisas”, e sua manifestação humana não pode ser explicada por causas naturais ou biológicas. A cultura humana, fundada na linguagem, desnaturaliza os instintos, e nenhum ato humano pode ser entendido fora do registro simbólico. Lacan relaciona a estrutura da ordem simbólica à entrada na linguagem, que mortifica o sujeito ao afastá-lo da experiência pulsional. A violência se manifesta na ruptura com a linguagem e no rompimento do laço social.
3. Agressividade e violência, segundo Lacan
A agressividade é uma manifestação estruturada pela linguagem, enquanto a violência se manifesta na ruptura com a linguagem. A agressividade está ligada à identificação imaginária, enquanto a violência está relacionada ao encontro com o real do gozo, que escapa à linguagem. A violência é uma defesa do sujeito contra o real do gozo indistinto e inconcebível.
4. Do privado ao público: o espaço da violência
A violência, antes restrita ao espaço privado, tornou-se pública, especialmente com a luta pelos direitos das mulheres e das crianças. A Lei Maria da Penha, por exemplo, marcou uma mudança no tratamento dado à violência contra as mulheres. No entanto, a violência ainda toca o insensato e o indistinto do gozo, especialmente o gozo feminino, que escapa à linguagem e à terapêutica tradicional.
5. Um paradoxo topológico: efeitos sobre a violência nas famílias
A violência atual tem uma dimensão planetária, e as massas humanas, embora vivam no mesmo espaço, são mantidas separadas. Nas famílias, a segregação se manifesta na redução dos espaços de convivência e na falta de diálogo sobre o que realmente importa. A violência familiar aumenta à medida que os laços entre pais e filhos se dissolvem.
6. Perspectivas a partir da orientação lacaniana
A violência atual exige uma nova perspectiva, que não se limite à nostalgia da autoridade paterna ou à reeducação. A partir da teorização de Lacan sobre a diferença sexual e o gozo feminino, podemos abordar o feminino como uma saída para a violência. O feminino, como modalidade de gozo, pode oferecer uma forma de enfrentar a violência que não se reduza à lógica fálica.
7. A violência frente ao feminino e o feminino como saída frente à violência
O feminino, muitas vezes alvo de violência, pode também ser uma saída para a violência. A violência contra as mulheres está ligada à recusa do feminino, que é experimentado como algo estranho e ameaçador. A luta contra a violência não deve se limitar ao empoderamento das mulheres, mas deve incluir uma abordagem que leve em conta as singularidades do gozo feminino e as disparidades subjetivas.
Referências
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Endereço para correspondência
Sérgio Laia
Universidade FUMEC (Fundação Mineira de Educação e Cultura)
Rua Cobre, 200, Cruzeiro, CEP 30310-190, Belo Horizonte – MG, Brasil
E-mail: slaia@fumec.br
Heloisa Caldas
Universidade do Estado do Rio de Janeiro
Rua São Francisco Xavier, 524, 10º andar bloco B sala 10024, Maracanã, CEP 20550-011, Rio de Janeiro – RJ, Brasil
E-mail: helocaldas@terra.com.br
Recebido em: 16/08/2015
Aceito para publicação em: 25/08/2016